terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Gerundismo

Me desejando discreta
mente não saber.
Me querendo à francesa.
Me adorando como o som
do gerúndio
devagar
divagando
sem me dizer.
Me curtindo em banho-Maria
pelas beiradas
para não se queimar.

E o tempo tiquetaqueando
na algibeira
na parede
no pulso.
E o tempo bangbangueando
assombrando
cobrando resultados
dizendo que não espera.

De uma forma ou de outra.
Seja como for.
Há uma aliteração certa:
Não há de sobrar só saudade!

sábado, 18 de dezembro de 2010

Porquinho-da-Hungria

Eu entrei e o porquinho-da-índia dele estava lá, na gaiola. Parecendo ser maior que a gaiola. Porque qualquer animal, por menor que seja, em uma gaiola, sempre parecerá ser maior que a gaiola, pelo simples fato de estar, e se saber, preso. Prossigo. Ele estava lá e eu cá. E eu gostava dele, embora seu olhar não afirmasse ser recíproco o sentimento. Tocou o telefone e o dono da casa precisou sair. Eu fiquei no seu quarto e pedi para que ele deixasse o bichinho comigo. Me olhou agradecendo o gesto e saiu. Entre eu e o animal se seguiu silêncio e só. Com certeza me olhava como sendo apenas um ser maior que ele e não, por isso, mais esperto. Aliás, me olhava com uma indiferença do tamanho da minha altura. Acendi um cigarro e olhei pela janela, o dia cinza, um tal de mormaço sem mar um tal de pássaro sozinho voando. Pássaro sozinho voando, parece quando você olha para o céu e só tem uma estrela. Olhei para o porquinho e ele estava de costas para mim, aquelas manchas pretas e brancas que me lembravam times de futebol e eu olhando para ele. Tive uma idéia! Olhei a estante com alguns livros e peguei um, como quem não quer nada, fazendo tudo de forma que o animal não percebesse meus movimentos. Escolhi Budapeste , um livro bonito mostarda, ali dando sopa. Daqueles livros que a gente compra e não lê e não lê porque continua comprando outros. Comecei a ler em voz alta e lá se foram uma, duas, três páginas e me perdi, me deliciando com o Chico. Quando subi à superfície me dei conta de que ele estava sentado olhando para mim. Não o Chico, o porquinho. Claro! Repito: Ele estava sentado olhando para mim. As patinhas são curtas , mas eu consegui perceber ainda assim, que as patas traseiras estavam mais inclinadas que as dianteiras, fazendo com que ele estivesse em uma posição levemente diagonal, ou seja, ele estava sentado. E olhando para mim. Com o olhar de gratidão. Olhar de gratidão é dom de animal que humano tem. E como se percebesse minha total surpresa e alegria me fez voltar a realidade, levantou e foi beber água. Ouvi a porta batendo e o outro humano tinha voltado e saímos. Quis ainda na saída um outro contato visual e nada. Tive aquele tempo que foi meu. O animal apenas passou os olhos por mim como se me mostrasse que a minha tentativa foi frustrada e que essa frustração também é do tamanho da minha altura.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Amor-tece-dor

Aos que escrevem, mando um recado: cuidado com o tal tema amor! Muito cuidado! Que esse assunto encontra sua plenitude no papel. O amor quer fazer barulho na ponta da caneta depois de bagunçar o coração. Temos que nos unir poetas. Falemos de outros assuntos, deixemos o amor de lado. Que não seja o amor - vício dos nossos corações - vício da nossa linguagem. Que o problema do amor é o fim. O problema do amor é sua rima pobre dor. Chega de amor em tudo que olho em tudo que vejo em tudo que enxergo. Chega! Que esgotemos todos os assuntos. Porque não podemos reclamar escassez de sobre o que falar. O amor é o papai noel de todas as épocas, aquilo que não existe , mas que se insiste em acreditar. Cresçamos amigos! Que o amor só serve mesmo para cegar gente sã, desconstruir. Não quero que meu papel sofra o que já sofro na pele. Retiro do meu vocabulário e da minha vida a palavra amor. Retiraria também do meu coração, mas isso é só um detalhe. Termino meu manifesto, meu protesto, meu apelo, contando um segredo: o perigo do amor é que ele só se renova com outro amor e às vezes demora tanto.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Irritouch

Estava precisando de um novo, o meu estava tão só fazendo ligações e além disso era prateado - as pessoas olham com olhos de reprovação para quem tem celular prateado hoje em dia. Fui na loja com uma sensação legal de fazer compras e aquele poder de poder comprar. Na vitrine, a gente se viu pela primeira vez, e foi amor. Sabe em filme, quando a criança bonita pede um cachorro para mãe bonita e aí na loja bonita ela olha pro cachorro e ele ta olhando pra ela, então, dessas coisas... O celular era grande e colorido e fazia de tudo. Foi ele. Comprei. O problema é que o que deveria ser solução se tornou um inferno: o tal touch. Ele não entendia meu toque. Eu apertava um número , ele outro. Eu queria uma função, ele rebelde, não funcionava. Foi aí que os meus dedos começaram a ficar carentes de botões e eu carente de paciência. Conclusão? O touch virou anúncio na internet e eu voltei para o prateado que estava sozinho no fundo da gaveta. Estou um pouco decepcionada com meu desempenho. Já estou crescidinha o bastante para que as tecnologias não me abalem mais, mas abalam. Outra conclusão? Deveria ter comprado um cachorro...

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Gênero espistolar

Oi

Estou escrevendo para me despedir. O título é uma tentativa de dar alguma graça à despedida. Que é de praxe ser triste, pesada. Tô indo e tá decidido! As pessoas falarão que eu trabalho pouco. As pessoas, tão engraçadas, não perdem a oportunidade de blablablás , mas adoram perder o precioso momento do silêncio. Silêncio! Bom, é provável que eu vá ver areia, porque não passo de um grão. Tenho plena consciência disso. Provavelmente vou inverter a ordem, horizontalizar. Você sabe muito bem que não me incomoda o cinza do nublado e sim o cinza dos prédios. Que os pintem de amarelo ou azul e em nada se aproximarão do sol ou céu. O homem e sua mania de tentar produzir natureza. Meu Deus, que pobreza! Vou sentir saudade sua e da cidade. Mas preciso de um tempo. Só aguento a dor porque ela passa e aguento a vida pelo mesmo motivo. Vou passar em outro lugar. Quero vento no ouvido. Quero Zephyros - vento de brisa. E aí quando eu cansar de lá, eu volto para as minhas necessidades inventadas. Pro meu celular, pro meu relógio e pra você.

Um beijo.

sábado, 20 de novembro de 2010

De nós

Hoje estou de mau-humor
meu amor
mas ainda te amo.

Tá difícil me encontrar nesse
um
que nos encontramos
mas ainda te amo.
Tens a tua
individualidade
é verdade!
Então vê se aceita
que o amor
não tem receita
que amor não é clichê.
Cala esse romantismo
de novela
que isso tudo
é balela.

Hoje estou de mau-humor
meu amor
mas ainda te amo.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Contrabaixo

Consegui o melhor lugar! Do meu ângulo, a caixa de som separava o baixista - meu preferido - do resto da banda. Nem mencionei que era um show. Pois então descrevo: era um show, era fim de tarde e era cerveja, muita cerveja. Eu estava em um banco branco, atrás da caixa de som. A que separava o baixista do resto da banda. A gente sempre elege um preferido. Que me desculpe o baterista e seus ombros descontrolados. O baterista tem a magia da coordenação motora, mais do que qualquer um da banda. Mas a minha predileção é pelo baixista. Que me desculpe o tecladista e seus dedos descontrolados. O tecladista tem a magia da visão panorâmica. E isso é lindo! Mas o baixista tem um olhar despretensioso e isso é ainda mais lindo. Que me desculpe também o guitarrista e seu corpo descontrolado. A guitarra é parte do seu corpo, guitarrista, algo como um membro. Mas compreenda, o baixista do sorriso largo, brilha e nem tem sol. Agora peço perdão ao vocalista e sua voz descontrolada. O vocalista é feliz, é perceptível. E isso é raridade! As pessoas hoje têm o hábito de fingir alegria. Mas vocalista, o baixista fica ali de lado só rindo. Meio hipnotizado com o público cantante. É lógico que um baixista só não faz canção! Por isso mesmo agradeço a todos vocês, mas foi o baixista quem roubou meu coração.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Como andar à chuva

Penso, penso, penso tanto que quase não sinto. Acredito mesmo que algumas pessoas são pensantes e outras são sentintes. Tudo neologismo para tentar explicar com algumas letras o que em nós, por dentro, já está derramado. E pensar não é algo que escolhemos. Quanto a isso não existe opção! E isso muito me consola. Isso de não ter culpa alguma. Posso até ser tachada de fria, de gelada. A que não tem coração. Mas percebo tudo com uma clareza luminosa de reconhecer a grandeza das coisas pequenas. Estou fadada a pensar sobre tudo. Então , enquanto nas bocas por aí sou descrente - porque os viventes adoram rótulos. Eu, pra mim, sou uma perita da subjetividade. E não há sequer um dia que não descubra um segredo. A recompensa , além da surpresa de cada dia, é a minha completa incapacidade de limitar meu pensamento. Meu pensamento que descrevo como um pássaro sem medo de gaiola.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Ceci n´est pas un haikai.

Poesia teimosia da mente
Amor rebeldia da alma
Esperança ousadia do tempo

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Ode ao querido pai

Às vezes, meu pai, eu me pego pensando o que de verdadeiro seria minha vida não fosse você. Às vezes me dá bobeira de achar que vou te perder, sabe? Digo bobeira, porque a gente não perde o que a gente é. Hoje, bem nesta data,você ilumina mais o mundo. Você que é meu braço direito, meu dicionário preferido, meu jornal diário.Você de quem me orgulho tanto e cada vez mais. Bem sabes que me aflige viver, pois carrego comigo toda responsabilidade de ser uma pessoa boa. Sabe que isso me pesa nos ombros , não sabe paizinho? Mas nem por um minuto me arrependo, porque sou inteira seus ensinamentos e a bondade me preenche. Todo dia percorre em mim um Deus através de você. Por vezes te olho de longe, parecendo estar preocupado e te imploro, meu pai, não perca tempo com as coisas pequeninas. É um erro! Tudo é coisa rasteira perto do amor que todos que estão ao redor sentem por você. Não pensa em nada, em nenhum passado, que não adianta. Sê sereno, mas não só por fora. Leva com você a certeza de que somos cúmplices de suas decisões. Presta atenção, meu querido, você herdou o dom da canção. Tudo que lhe foi ensinado com rigidez, resultou em música. Música feita com instrumentos valiosos, música feita com paciência, com serenidade. Música feita de paz. Queria agradecer as suas preces também, parece que ora por todos, para todos. Parece que sua prece é o que sustenta. E eu agradeço, por ter sido você meu pai, por ser você meu melhor e verdadeiro amigo. Obrigada pela família, pelo lar , pelas respostas. Tudo está certo e forte ao nosso redor. Não esqueça nunca que temos tudo que de essencial necessitamos. E não se preocupa mais, eu te peço.

Com todo amor que a mim é natural por ser seu fruto.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Felicidade Figurada

A melancolia não é o nublado
o cinza o mau humor.
E eu a defendo!
É só como uma pequena preocupação, sabe?
Como se fosse chover e não tivesse guarda-chuva.
Como uma dívida que aumenta cada dia centavos
mas que a gente paga... Que a gente passa.
É o franzir da testa
ligeiro
suor nas mãos.
Um pensamento da tristeza que desceu já da estação.
Afinal de contas por que sempre felicidade?
Se eu tenho a liberdade de sentir tudo é enfático em mim.
Tudo é hipérbole.
Tudo é antítese e a felicidade nasce das cinzas da melancolia.
Tudo é ironia.
Se da constância nasce o comum,
a felicidade só pode ser um sobressalto.
Um grito no silêncio...
Na dialética das emoções tudo se cria e nos transforma.

ºCo-autoria: Cecília Miranda.
Muito obrigada minha amiga,
para você - luz - uma flor.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Achados e perdidos

Cheguei em casa e era inteiro silêncio. Meu pai me olhou e não disse nada. Já sabia. Tinha perdido um amor. Minha mãe nem percebeu. Tinha bebido um pouco. Me ofereceu qualquer arroz e foi dormir. Nem sabia que eu tinha perdido um amor. Mas também isso não importa, entre um que sabia e outro que não , só eu sentia. E não podia compartilhar, porque, claro, no momento da minha dor todos eram alegria. Está aí a solidão mais cruel. A de não ter amor , nem ajuda. Mas na verdade, o grande problema é que o mundo não se interessa pelo meu amor perdido, e continua funcionando. Me obrigando a existir com ele - vai demorar um pouco até voltar a viver. Quando você perde um amor, você caminha meio pela metade. 5o%. Sozinho mais inho que o normal. Junto , somente, da esperança de que o outro mude de ideia, de que o outro volte logo. Pare com a brincadeira, porque não tem mais graça! Essa esperança era única coisa de inteira em mim - além do silêncio. Talvez tudo que preenchesse ainda o resto de algum espaço. Tudo sobra. E esse amor perdido logo será achado ou vai achar... E aí o perdido aqui, que nem quer procurar , continuará só. Porque só acha quem procura.

domingo, 8 de agosto de 2010

Advérbio de modo

Diariamente verifico se o mesmo encontra-se parado em mim. E sim! É sempre o mesmo despertador com o mesmo sono teimoso que avança. Sempre o mesmo atraso. O mesmo metrô cheio. Inevitavelmente o inferno na Paraíso. Pro Rio Pequeno, a mesma fila grande. O sol batendo do lado direito, mas eu vou do esquerdo. E corajosamente sigo viagem, tentando alertar o motorista, telepaticamente , que ele leva carga viva. E é sempre a mesma coisa. A loja indiana, o loja pra cachorro, o sebo, banco, banco, banco, repetidamente...Muito cansaço, constantemente. Me consola saber que seria pior se fosse horário de pico. Aí tem a escola infantil, a escola de música, a academia - 3 meses grátis - e as árvores quebrando o paradigma urbano, felizmente. A praça panamericana e o vendedor de balas sorridente. Logo a frente o rio que, raramente, tem seu odor disfarçado por algum perfume ruim, igualmente. Antes do destino final tem a Alvarenga do pazverde. E pronto, chego. Dificilmente algo muda. Dificilmente alguma novidade. O mesmo dia longo se estende. E eu certamente sei que a minha mesmice consiste em ter como motivo da insônia recorrente o desejo de mudança, ironicamente.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Quase um samba

E eu tenho lá
medo da saudade,
tenho aqui e agora.
Que a saudade é senhora,
sem hora para acontecer.

E eu tenho lá medo dela,
tenho aqui, muito e tanto
que por enquanto
esse medo é o que me faz sofrer.

Se tenho medo da lembrança?
Sim e da esperança que vive a repetir:
"Calma, aguenta mais um pouco,
apesar de ser um louco,
não tenho pressa de partir."

domingo, 13 de junho de 2010

InsPirada

Sou poeticamente ativa.
Muito bem resolvida com
tudo que há de poesia em mim.
Sou realizada!
Juro que não é piada.
É uma confissão, isso sim.
A piração do dia-a-dia
transformou tudo em poesia
nessa cidade sem fim.
E eu que sou pobre e livre
como minha rima e meu verso.
Não poderia fazer o inverso,
resolvi aceitar que sou assim.

sábado, 5 de junho de 2010

esse isse ia

Se tivesse mar não seria tão melancólico.
Se tivesse chuva menos seco.
Se tivesse tempo...

Se tivesse desconfiado não doeria.
Se tivesse falado não guardaria.
Se tivesse coragem revidaria.
Se tivesse verdade...

Se te visse eu sozinha.
Se te visse você não acreditaria.
Se te visse nem um bom dia.
Se te visse na certa atravessaria.

sábado, 29 de maio de 2010

De esquerda

Meu estômago está em greve geral. Já faz tempo que ele reivindica frutas e saladas. E eu respondo com as balas e a violência dos gases dos refrigerantes. Respondo com a truculência do café. Ele responde com piquetes aos meus banquetes. E agora parou de funcionar e sem ele as coisas ficam complicadas. O pior é que ele tem um grande poder de persuasão sobre o resto do organismo, todos legitimam suas assembleias. Todo dia há uma paralisação. Eu, como reitora de mim, calo o barulho das dores com pequenas bombas, os remédios. Mas meu estômago não para de reclamar! Ele é forte e sabe da importância do seu movimento. Ele sabe que todos os protestos me comprometem. Por isso, e só por isso, tentarei um acordo amigável. Preciso da colaboração de todos aqui dentro, para dar credibilidade a minha (di)gestão. Preciso ter uma boa reputação.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

A criança

A criança me sorri
salva meu dia
e nem me conhece.

Não quero pensar
que a criança me sorri
justamente por não me conhecer.
Não quero pensar em mais nada, chega!

A criança me sorri e
acredito mais nela que em mim.
Acredito que mereço.

A criança então parte
para sua labuta de sorrisos gratuitos
e eu para a minha menos recompensadora.
Cada qual com a sua escolha.

domingo, 2 de maio de 2010

Futebol de todos os Santos

O Futebol deveria ser simples. Onze de cada lado, as torcidas , os técnicos, o júiz, 90 minutos e pronto. E poderia ser mais simples ainda , não gostar de futebol. O futebol é ingrato, maltrata o meu coração. A cada jogo me sinto mais perto da loucura, cada clássico então...Meu coração não bate durante 90 minutos. Mas tudo isso vale quando nosso time ganha. Aí a alegria é como alegria de criança que ganha bicicleta, que brinca com os amigos na rua. Enfim, alegria de menino. Por falar nisso, uns meninos aí levaram o título Paulista de 2010. O Santos um time com tradição e contradições é campeão paulista. Um elenco com uma defesa que mais parecia parte da torcida e um ataque mágico, cheio de truques , que fez brincadeira. Um time de meninos com maturidade nos pés, com gingado. Que provou que nem sempre quem dança , dança. Time de goleiro fraco e traves amigas. Que trilhou o caminho da vitória pintando e bordando lindamente. Hoje ele é campeão, amanhã não sei. Mas seja quem for, faço um pedido: que seja com arte! Que faça encher os olhos. Que faça os torcedores baixarem a bola e serem livres para admirar o futebol do time alheio. Que seja com arte e só! O resto faz parte do show.

domingo, 25 de abril de 2010

Ego inflamável

Será que ainda dá para eu ser convencida? Pois além de ironia , trago comigo uma humildade cansadíssima. Os leitores que passaram rápido pela ironia citada, perguntarão: "Por que convencida?" E eu responderei: "Existe algo mais incrível do que o ponto de vista de um convencido?" Sua vida é perfeita. Se você tem a sorte de sentar ao lado de um convencido no balcão da lanchonete, se prepare! Você sairá de lá renovado, pois acaba de conhecer a pessoa mais interessante da face da terra. Se sentou ao lado dele no ônibus então, ouvirá depoimentos de um incansável vencedor. O convencido só vence, com o perdão do trocadilho. Sim, sua história acabará , fatalmente , com sua vitória. O convencido é antes de tudo um coerente. Além de bonito , legal, charmoso... Até sua derrota é bonita. Seu drama convincente, abala qualquer mero mortal que esteja atrás dele na fila do banco. Portanto, você humilde-que-não-se-ama, saia de casa sempre com um lenço, dica. Mas o que mais invejo no convencido, é o fato de todos terem inveja dele. Seus amigos invejam não só sua atual namorada como todas as que vieram antes. O guardinha da rua inveja seu cabelo e o faxineiro do prédio, suas roupas. Sério! Todos têm inveja do convencido. Inveja e não pena. Afinal de contas, o que seria de nossa vida se não fosse um convencido para mostrar que nossa vida não é nada sem ele? Multi-artista auto-afirmativo da contemporaneidade! Palmas pra ele! Elogiaria agora mesmo um convencido, se não tivesse que pegar senha. Porém há um momento de silêncio na vida do convencido. Quando ele chega em casa à noite e se olha no espelho, sem platéia - sim, porque o motorista , o cobrador, os figurantes do metrô e os ouvidos fatigados dos amigos estão, merecidamente, descansando. Nessa hora o convencido se percebe anão diante do gigante que imaginava ser. Aí, vencido pela própria imagem, o convencido deita e chora. E disso, que no seu teatro diário é seu único ato de verdade, ninguém ficará sabendo.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Mulher

Mulher ouve aqui
a palavra amiga
de um amor, Mulher.
Não se precipita,
que as coisas mesmo
se encarregam de
tomar seu rumo, Mulher.
Pra quê o lamento?
Se chora no meio
sem nem saber do fim,
inverte a ordem.
Porque lágrima que
rola sem motivo
encurta a vida, Mulher.
Se a escolha é sua
e escolhe sorte torta,
escolhe azar. Porque
passarinho de uma asa
não voa.
Ah Mulher!
Se soubesse que sua alegria
colore o mundo.
Se entendesse isso
só por um segundo.
Sua tristeza se envergonharia.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Água Benta

Há a breja no bar, a marvada, a tequila , o whisky , a vodka... Bom, não é esse o assunto principal. Quero mesmo falar dos que bebem. Se há variedade nas bebidas, essa mesma variedade existe nos tipos de bêbados. Há os que choram, os que dormem, os que tingem o chão. Há os que cantam, os que relembram, os que gritam ao portão. Há os que contam segredos e se arrependem, há os já arrependidos - que por isso bebem mais. Há os que se encostam, os que brigam, os que riem, os que refletem , os que mentem, os que amam... E há de se ter nessa singela crônica espaço para os que não bebem. E estes são os que me intrigam mais. Há a força de um padre que se depara com uma tentação, nos que não se deixam levar pelo álcool. E digo mais ! Todos que não bebem devem ter uma religião secreta em que se reze as palavras mágicas do auto-controle. São santidades! Estes , que encho a boca para dizer que são meus semelhantes , exceto pelo fato de não beberem, têm lugar no céu. Definitivamente. Indubitavelmente. Quanto a mim - pobre de mim! - que escrevo com a direita e com a esquerda seguro um copo triste, já no fim. Vivo um impasse, não sei em qual perfil dos bêbados acima listados, me encaixo.

sábado, 27 de março de 2010

Vencedor

De me arriscar entendo quase nada,
já de me riscar entendo um pouco mais.
Injustiça comigo mesmo?
Escolhi então sofrer!
Sendo essa minha condição.
Sendo essa a minha única opção.
Imposta, ironicamente, por mim mesmo.
O que sou eu senão um forte?
Sim, porque se me falta coragem é
somente pelo fato de já me saber infeliz no fim.
Injustiça comigo mesmo?
Mas já disse que escolho sofrer!
Antes sofrer antes que depois.
E também andando por aí sem histórias,
quem me vê nem sabe...Só eu -só -sei!
O meu maior troféu é fazer da minha
tristeza calada poesia, transformar
meu sofrimento tímido em arte.
Minha vitória é sofrer por não haver
sofrimento algum.
Meu coração bate sem um único estilhaço e
ainda assim dói.

sábado, 20 de março de 2010

Flashback

Tenho raiva das câmeras digitais! E só me resta admitir , gritar em alto e bom som, para todos.Sim, me faz falta o filme nas máquinas fotográficas. Não sou antiquada, nem blasé. Muito menos tenho inveja da sua câmera digital, da finura de uma folha sulfite. Na verdade depois de muito tempo de reflexão sobre o assunto, em meio a flashs, claro.Percebi que não há mais uma preocupação de aproveitar o momento. O que há, na verdade, é a necessidade de tirar fotos de cada segundo, para mais tarde colocá-las no orkut. Antes não! Antes tínhamos , em mãos, 12 ou 24 provas concretas de todos os momentos. Bom , só me resta mesmo entender que hoje tudo é fotocópia... E enquanto meu computador guarda milhares de fotos de milhares de lugares. Minha memória , tão limitada quanto um filme , se esforça para guardar apenas o essencial.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Futuro Blues

Alguém apertou o play e a fita começou a rolar. Se passaram 20 anos desde a gravação. As barbas eram ainda pretas e as mulheres eram impecavelmente charmosas. Ainda são! Todos atentos e surpresos ao se perceberem jovens. Os olhos derramavam lágrimas que agora têm obstáculos, as rugas. Poderiam pausar a fita, fato! Mas não há como pausar a saudade, essa que é zumbido constante, trânsito do meio-dia, criança chorando de madrugada. A saudade já é rotina! Eu jovem que sou, filmava todo flashback com a vista já embaçada,de um ângulo confortável. Dentro da minha cabeça, por amor a eles, travava uma briga com o tempo e a gravidade. Os protagonistas pareciam não se importar. Estavam agradecendo a chance de estar com seus figurantes preferidos, amigos queridos. Sem saber, eu do alto da minha ignorância, do meu camarote jovial, estava sendo ali a única antagonista. The End.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Sol quadrado

O canarinho canta em sua gaiola e sua Dona acha bonito.Música para seus ouvidos,cansados de buzinas. Nem sabe que o canarinho grita. Se sabe silvestre, precisa voar. Sua Dona presa também em sua gaiola do quinto andar, com janela quadrada e porta retangular, ouve o canarinho cantar. Nem sabe que o canarinho clama pelo céu. Como não saber? A Dona muda a gaiola de lugar, a coloca na varanda e ouve sua pequena sinfonia cantar. E - meu deus! - o canto sai quase como um pranto, de quem ganharia o céu, de quem voaria rápido para bem longe...O canarinho tem raiva de sua Dona e dó. Ela deve ser toda inveja de suas asas. Então o canarinho canta como se soubesse que o fim está próximo, mas resiste. Se já sofreu tanto, sofre mais um pouco, oras. Sempre há a tal esperança... Enfim o canarinho, que sonha com o céu, canta, come , bebe e dorme, só não voa. Simples assim. Injustamente...

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Mãezinha

Não há de sofrer a mãezinha,
das mãos que tudo cura,
das mãos de veludo.

Se quiserem me trair, que traiam!
Mas não a mãezinha,
porque a mãezinha tem que se
pegar no colo e cantar canções de ninar,
para que durma o sono justo de
tantas noites mal dormidas.

Se quiserem todas as infelicidades,
todas as injustiças, que as tenham que
as cometam!
Mas não façam mal a mãezinha.
Porque a mãezinha quando chora
- por cumplicidade e lealdade -
a natureza chora chuva forte.

Se quiserem gritar, que gritem!
Mas jamais com a mãezinha,
porque a mãezinha é anjo caido
que não reclama.

A mãezinha é diminutivo na palavra,
mas aumentativo na vida de todos
seus filhos. Das figuras é hipérbole!

Eu, dos filhos o mais egoísta,
creio que pecado é mãezinha recuperar
as asas e voar para longe...

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Universotário

Na universidade , antro de conhecimento, já não se conhece mais nada. Eu, comunista moderno, leio Marx e bebo cervejas às custas do meu pai - que outrora foi comunista. " Filho de peixe , peixinho é". Eu só não apanhei na ditadura. Sabe como é , né? Os tempos mudaram... Hipocrisia é querer salvar o mundo. Moro de frente para o metrô, na minha linda Avenida Paulista , mas vou de Jipe para aula. O transporte público não anda bem. Mais tarde no bar, em plena quarta-feira, enquanto sóbrios, conversamos sobre boa literatura e boa música. E por falar nisso, hoje na balada terá música brasileira : Chico, Caetano, Novos Baianos... Novíssimos. Para entrar e sorrir 30 reais. Justo! Lá dentro, vale uma breve descrição, as meninas: unhas vermelhas, vestidos e uma flor no cabelo. Os meninos: xadrez e havaianas. Mas sabe que há muita coerência nisso tudo, lógico! Afinal de contas o pseudointelectualismo está em alta.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Barra Nova (AL)

Às vezes o mar - para me dar uma lição - me puxa pelo pé. E me chama , me convidando. O arco-íris logo atrás parece rir de mim. Eu e minha mania de só acreditar no óbvio. Ele só está ali esparramando a paisagem. Intensificando , eu diria. Sem falar do sol. Fazendo pose para mim, me enchendo de luz. Também tendo o céu como passarela... Ele tem todo céu. A natureza brincando de pega-pega comigo e eu brincando de faz de conta. Do cenário que se fez , eu não podia ser a estrela. Pelo simples fato dela também estar presente. No final eu tão sem poder nenhum. Tão mortal que sou, vendo tudo aquilo já com medo de esquecer, dava risada e agradecia. Tudo bem , eu admito, eles me convenceram e eu me conheci.